Desafio e resposta
‘O estímulo humano aumenta de força na razão direta da dificuldade’
(Toynbee)
O acrônimo VUCA - Volatility / volatilidade,
Uncertainty / incerteza, Complexity / complexidade, Ambiguity / ambiguidade -, criado
por T. Owen Jacobs no livro Strategic Leadership: The Competitive Edge,
popularizou-se entre os estudiosos do fenômeno da liderança a partir de sua
adoção pelo War College, do Exército dos EUA, na década de 2000. Os termos
servem para definir as principais características do ambiente na era da
informação, que influenciam os líderes nos níveis político e estratégico na
tomada de suas decisões.
A VOLATILIDADE MANIFESTA-SE PELA EXTREMA VELOCIDADE
DOS ACONTECIMENTOS, PELA NATUREZA EFÊMERA E DINÂMICA DAS RELAÇÕES, QUE EXIGEM
CONSTANTES ADAPTAÇÕES E REALINHAMENTO DE PLANEJAMENTOS E ESTRATÉGIAS.
Lembra que, nos dias de hoje, mesmo a informação mais atual pode ser
insuficiente para subsidiar uma adequada tomada de decisão. Reforça que líderes
devem estar em condições de se antecipar aos acontecimentos, preparando-se para
as mudanças que virão.
A INCERTEZA, CAUSADA PELA VOLATILIDADE, DEMONSTRA QUE
É IMPOSSÍVEL DETER TODAS AS INFORMAÇÕES ACERCA DE UMA SITUAÇÃO. Ela advém
das múltiplas soluções e alternativas que competem entre si e, em geral,
causa atrasos no processo de tomada de decisões, uma vez que aumenta a quantidade
de opiniões discordantes sobre o que vai acontecer no futuro.
A COMPLEXIDADE DERIVA DA DIFICULDADE DE ENTENDIMENTO
DAS MÚLTIPLAS INTERAÇÕES, ENTRE OS MÚLTIPLOS FATORES, QUE IMPEDEM QUE SE
IDENTIFIQUEM COM CLAREZA RELAÇÕES DE CAUSA E EFEITO. A complexidade, assim
como a volatilidade, contribui para o aumento da incerteza.
Finalmente, A AMBIGUIDADE CARACTERIZA-SE POR SER UM
TIPO ESPECIAL DE INCERTEZA. ELA DECORRE DO FATO DE QUE DIFERENTES GRUPOS
SOCIAIS PODEM TER DISTINTAS INTERPRETAÇÕES SOBRE UM MESMO ACONTECIMENTO.
Isso em razão de diferenças de perspectivas, discordâncias ideológicas,
discrepâncias culturais.
A crise causada pela pandemia da covid-19 apresenta
claramente todas essas características, obrigando os líderes das esferas
governamentais e privadas, em todo o mundo, a decidirem sob estresse e pressão.
Não é uma tarefa fácil, mas as ações de enfrentamento da crise definirão
consequências sociais, econômicas, políticas, diplomáticas e militares.
Apesar do ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo,
procurar antever os cenários pós-crise é fundamental para que os líderes criem
uma visão de futuro e trabalhem no sentido de estabelecer prioridades e
promover as mudanças necessárias à adaptação que a nova realidade exigirá.
No sistema internacional, as organizações multilaterais e
intergovernamentais devem sair enfraquecidas, uma vez que foram incapazes de
apresentar soluções. O fechamento das fronteiras entre a Alemanha e a França,
principais líderes da União Europeia, é emblemático nesse sentido.
A covid-19 chega num momento em que os EUA estão se
retraindo do cenário internacional. A reorganização das relações internacionais
num mundo com menor presença norte-americana, especialmente no Oriente Médio,
abre espaço para uma reorganização que retorna a um modelo semelhante ao da
guerra fria, de “esferas de influência”. A pandemia acirra a disputa entre EUA
e China, uma vez que desorganiza relações comerciais e causa disputas por
influência no campo psicossocial, com reflexos até mesmo em terceiros países,
que passam também a ser palco dessa disputa.
O agravamento de crises já em curso é outro efeito da
pandemia: a violência crescente na região do Sahel, no norte da África; a
emergência alimentar causada pelas nuvens de gafanhotos que destroem as plantações
da região da Somália, e já migram para o Oriente Médio; a guerra civil no Iêmen
e na Síria, com suas enormes quantidades de refugiados; a crise do petróleo,
motivada pela baixa intencional dos preços pela Arábia Saudita, que ameaça
prejudicar ainda mais as já muito debilitadas economias do Irã e da Venezuela.
Todos esses são exemplos de crises que, apesar de terem desaparecido dos
noticiários, se intensificam a cada dia.
A desorganização da economia mundial talvez seja a mais
grave consequência no plano das relações internacionais. A redução drástica do
consumo e da produção industrial, além do desarranjo das cadeias globais de
suprimentos, podem fazer as corporações transnacionais repensarem seus padrões
produtivos, com profundas modificações no atual modelo de comércio internacional.
Isso para mencionar apenas alguns aspectos do cenário que se aproxima.
Segundo
a teoria geopolítica chamada “desafio e resposta”, desenvolvida pelo sociólogo
inglês Arnold Toynbee em 1934, AS CIVILIZAÇÕES QUE ACEITARAM E VENCERAM OS
DESAFIOS, REPRESENTADOS POR OBSTÁCULOS E INFERIORIDADES, SOBREVIVERAM E SE
DESENVOLVERAM. Além disso, o autor afirmou que “O ESTÍMULO HUMANO
AUMENTA DE FORÇA NA RAZÃO DIRETA DA DIFICULDADE”. Espera-se que,
desafiadas, as lideranças de todo o mundo, em todos os níveis, nas esferas
governamentais e privadas, saibam encontrar as melhores respostas.
Paulo Roberto da Silva Gomes Filho (Cel.)O Estado de S.Paulo
25 de março de 2020 | 03h00
Disponível em: <https://bit.ly/2WIChJS>. Acesso em: 25 mar. 2020.
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