Origens da prática de atos ilícitos no âmbito da Administração Pública brasileira (excertos)

  • Numa perspectiva de conjunto, destaca-se a forma como os autores têm discutido as esferas do público e do privado no exercício do poder. Filiando-se a Caio Prado, alguns autores enfatizam o baixo nível moral da administração (colonial), decorrência do imbricamento entre interesses privados e funções públicas. Em campo oposto, Faoro foi dos autores que consideraram esse imbricamento com um dado estrutural da sociedade colonial, aproximando-a, portanto, das sociedades típicas do Antigo Regime. O exemplo das capitanias hereditárias (1532) é ilustrativo da forma como uma concessão régia a particulares serviu de veículo de representação da autoridade real no ultramar. Outro exemplo foi a criação do governo-geral (1548) e a nomeação de vice-reais no Brasil, sobretudo após 1763, medidas que buscavam limitar o poder dos potentados locais mediante uma centralização mínima na colônia. Na verdade, a arquitetura administrativa colonial nunca deixou de prescindir dos recursos privados, em diversos níveis e instâncias, considerados parceiros da empresa colonizadora. (VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, PP. 16-17.)
  • Serve também como ilustração, ainda, a narrativa de Eduardo Bueno sobre como se deu a construção da cidade de Salvador pelo primeiro Governador-Geral do Brasil (Tomé de Sousa), com alusão à corrupção que ali imperou e de como certas práticas ilícitas perpetuam-se, colhendo do tempo apenas nova roupagem, acomodação e nomenclatura: [...] Onde foi parar tanto dinheiro? Parte foi gasta, parte desviada. Investigando os papéis da Câmara de Salvador, Teodoro Sampaio pinta um quadro de dissolução geral: 'Os infratores, de todos os gêneros, eram contumazes, e as penas não passavam de ameaças. As multas raro se pagavam. Os atravessadores de mercadorias zombavam das medidas que contra seu comércio aladroado adotavam os oficiais da Câmara. Os arrendatários dos impostos conluiavam-se com os mercadores, consentindo que estes fraudassem as almotaçarias. Quando os pregoes de arrematação das empreitadas se encerravam, o nome do vencedor, anunciado com alguma solenidade pelo porteiro da Câmara, raramente causava surpresa. Os empreiteiros loteavam as obras entre si, combinando os lances antecipadamente, muitas vezes em conluio com o leiloeiro, e superfaturando o custo das obras. [...] (BUENO, Eduardo. A coroa, a cruz e a espada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006, p.125.)

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