"Estados: mais um custo da Nova Matriz" (Cristiano Romero)
Estados:
mais um custo da Nova Matriz
Valor Econômico - 13/03/2019 às
05h00
Um dos maiores equívocos
cometidos pela equipe econômica do governo Dilma Rousseff (2011-maio de 2016)
foi liberar os governos estaduais do cumprimento de sua parte na meta fiscal do
setor público consolidado (União, Estados e municípios).
Desde a renegociação das dívidas
dos Estados, em 1997, esses entes da Federação entregavam anualmente à União
superávit primário de 1% do PIB. Não havia falha: em caso de inadimplência, o
governo federal se apropriava de receitas próprias dos Estados.
A decisão foi tomada em 2013 e a
justificativa para tamanha irresponsabilidade foi a tese de que os governadores
teriam mais facilidade para investir do que a União, uma vez que não estão sob
o escrutínio do TCU nem da imprensa.
Liberados da obrigação em ano
pré-eleitoral, governadores usaram a folga não para investir, mas para
reajustar os salários dos funcionários públicos, relevantes formadores de
opinião na sociedade. Em alguns casos, os vencimentos foram majorados em 50%.
Esta é uma das principais
explicações para a crise fiscal dos Estados, problema que agora terá que ser
enfrentado às custas da maioria dos brasileiros, que, ao contrário dos
funcionários, não têm estabilidade no emprego nem aposentadoria integral.
Em 2013, a "Nova Matriz
Econômica" já fazia água. Eleita em 2010 graças à popularidade do então
presidente Lula e ao sucesso inquestionável de seu governo na economia, Dilma
mudou tudo ao fim do 8º mês de mandato.
Antes, conspirou com um aliado
para derrubar o principal representante de Lula em sua gestão - Antonio
Palocci, chefe da Casa Civil e único defensor do arcabouço econômico que
catapultou o ex-sindicalista à Presidência.
Sem Palocci, Dilma se viu livre
para mudar a política econômica que, desde o início do segundo mandato de FHC,
em 1999, ajudou a estabilizar a economia após o fim da âncora cambial vigente
desde o lançamento do Plano Real, em julho de 1994.
Com mais avanços do que
retrocessos, aquele modelo, amparado no tripé metas para inflação, geração de
superávits primários e câmbio flutuante, diminuiu a volatilidade do produto,
dando maior previsibilidade aos agentes econômicos.
Mesmo vindo da oposição a FHC,
Lula, eleito em 2002, manteve e, depois, aperfeiçoou o arcabouço herdado do
governo anterior. Um exemplo do aprendizado: ao fim do 3º ano de mandato, o
presidente, defensor durante décadas da realização de uma auditoria na dívida
externa, acolheu sugestão dos "neoliberais" de seu governo para
quitar, antecipadamente, a dívida do país com o FMI. E Lula fez isso em meio ao
escândalo do mensalão, que havia lhe subtraído mais da metade da popularidade.
O tripé resolveu todos os
problemas? Claro que não, afinal, não se trata de um programa de desenvolvimento.
É, na verdade, uma forma de coordenação dos três principais elementos (ou
preços) da economia - juros, câmbio e fiscal. Foi adotado para salvar o real,
única experiência bem-sucedida no combate à inflação crônica de mais de duas
décadas.
Em tese, a estabilização dos
preços num país como o Brasil de 1994, quando a inflação chegou a quase 3.000%,
deveria ser precedida de uma série de mudanças institucionais. Não há, porém,
gradualismo possível, politicamente aceitável, que permita a qualquer governo
vencer uma hiperinflação, a não ser por meio de um choque. E assim foi feito.
Tirando proveito da abundância de
capitais existente naquele momento no mercado internacional e do fato de o
governo anterior ter acumulado um volume razoável de reservas (US$ 40 bilhões),
a equipe do Real deixou o câmbio deslizar abaixo da paridade de um para um
entre real e dólar, quebrando a lógica da indexação da moeda brasileira à
americana. Como a economia estava mais aberta - graças à redução unilateral de
tarifas promovida pelos governos Collor e Itamar entre 1990 a 1994 -, as
empresas perderam a referência do dólar para fixar seus preços e isso foi
crucial para derrubar rapidamente a inflação.
Na ausência de um ambiente
institucional que ajudasse a manter a inflação estruturalmente baixa, adotou-se
uma âncora cambial - o regime de câmbio quase-fixo. Essa estratégia, que
deveria ter sido temporária, foi mantida – não sem intenso debate nos
bastidores de Brasília - até janeiro de 1999, quando o mercado, ao perceber que
o governo não teria força para aprovar medidas
fiscais duras no Congresso, derrubou o real, provocando desvalorização que por
pouco não tornou a situação incontrolável.
Convidado a assumir o comando do
Banco Central, Armínio Fraga precisou de apenas três meses para adotar o famoso
tripé. Sua explicação para justificar a mudança de rumo foi simples: durante o
período de âncora cambial, a taxa de câmbio tomava conta da inflação e os
juros, do balanço de pagamentos (com o câmbio quase-fixo!). "Hoje, estamos
escalando o time de forma diferente, dizendo para a taxa de câmbio: 'você toma
conta do balanço de pagamentos'; e para a taxa de juros: 'você toma conta da
inflação'. Agora, nada disso funciona sem uma boa política fiscal", disse
Armínio, deixando claro que o tripé coordenava três políticas: monetária,
cambial e fiscal.
É preciso observar que os
formuladores do Real adotaram medidas importantes durante o curto período de
preparação do plano, que, a rigor, consumiu 14 meses (de maio de 1993 a junho
de 1994). Não se limitaram às iniciativas típicas de um choque de preços.
Debateram um conjunto de propostas destinadas a acelerar a transição da
economia de um modelo fechado e autárquico para outro, aberto e de mercado.
Ademais, sabiam que no médio e longo prazos as reformas, que seriam realizadas
em meio a um ambiente de inflação controlada, é que assegurariam a conquista da
estabilidade e, por fim, o aumento do ritmo de expansão do PIB.
Parte das transformações
propostas, como o fim dos monopólios estatais (em petróleo, telecomunicações e
energia), foi levada a cabo por FHC, eleito presidente em 1994 graças ao
sucesso retumbante do Real já nos primeiros meses. Outras reformas, contudo,
ficaram no meio do caminho. O perigoso atraso provocado por Dilma levou-nos ao
período anterior à adoção do tripé, o que obriga quem veio depois a fazer tudo
ao mesmo tempo: estabilizar a economia e reformá-la para voltar a crescer.
Cristiano Romero é
editor-executivo e escreve às quartas-feiras
E-mail:
cristiano.romero@valor.com.br
Comentários
Postar um comentário