SCHUMPETER: não existe bem comum ou vontade do povo (ou "O MINISTÉRIO PÚBLICO ADVERTE: PROPAGANDA ELEITORAL NÃO É VERDADEIRA")

“Schumpeter levantou alguns pontos específicos sobre participação política e democracia. Primeiro, não existe algo tal como o bem-comum unicamente determinado, com o qual todas as pessoas poderiam concordar ou deveriam ser levadas a concordar pela força do argumento racional; o bem-comum está destinado a significar coisas diferentes para pessoas diferentes . Segundo, mesmo se as opiniões e desejos dos cidadãos individuais fossem dados perfeitamente definidos e independentes, com os quais o processo democrático operaria, e se todos atuassem, a partir deles, com uma racionalidade e uma exatidão ideal, isso não implicaria necessariamente que as decisões políticas resultantes desse processo, com base no material bruto daquelas vontades individuais, representassem qualquer coisa que em qualquer sentido convincente pudesse ser chamado de ‘a vontade do Povo’. Terceiro, os cidadãos são normalmente mal informados ou desinteressados pelos problemas políticos, exceto em relação àqueles que as afetam diretamente, economicamente. Nessas situações, antes de agir no sentido de bem-comum, eles agirão com base nos interesses próprios, individuais.” 

SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e Democracia / (Editado por George Allen e Unwin Ltd., traduzido por Ruy. Jungmann). — Rio de Janeiro : Editora Fundo de Cultura, 1961, pp.307-308, apud CARNOY, Martin. Estado e Teoria política. 2ª ed. Campinas : Papirus, 1988, p. 50.

"O senso de responsabilidade reduzido e a ausência de vontade efetiva, por outro lado, explicam a ignorância do cidadão comum: e a falta de bom senso em assuntos de política interna e externa. Essa ignorância é ainda mais chocante no caso de pessoas educadas e muito ativas em esferas não-políticas da vida, do que no de pessoas sem educação e de situação mais humilde. Mas, no caso, isto não parece fazer qualquer diferença. Tampouco admira que seja assim. Precisamos comparar apenas, para perceber a diferença, a atitude do advogado em relação ao caso que estuda e a sua atitude diante de fatos políticos comentados nos jornais. Na primeira hipótese, o advogado está em condições de perceber a importância jurídica dos fatos, graças a anos de trabalho consciencioso sob o estímulo do desejo de firmar sua competência profissional. Sob um estímulo que não é menos poderoso, ele concentra seus conhecimentos, seu intelecto e sua vontade no estudo do caso. Na outra hipótese, verificamos que ele nunca se preocupou em preparar-se. Não se interessa em absorver a informação e submetê-la aos cânones da crítica, que ele sabe utilizar tão bem. E fica impaciente com argumentos longos e complicados. Tudo isto mostra que, sem a iniciativa que tem origem em responsabilidades imediatas, a ignorância persistirá, mesmo em face de uma massa de informações por mais completa e correta que ela seja. E persiste mesmo diante do esforço meritório que se faz atualmente por meio de conferências, aulas e grupos de debate de apresentar não somente os fatos, mas ensinar como usá-los. Os resultados não são nulos, mas são pequenos. Não se pode carregar uma pessoa escada acima. 
O cidadão típico, por conseguinte, desce para um nível inferior de rendimento mental logo que entra no campo político. Argumenta e analisa de uma maneira que ele mesmo imediatamente reconheceria como infantil na sua esfera de interesses reais. Torna-se primitivo novamente. O seu pensamento assume o caráter puramente associativo e afetivo. E isto acarreta duas outras conseqüências de sombria significação
Em primeiro lugar, mesmo que não houvesse grupos políticos tentando influenciá-lo, o cidadão típico tenderia na esfera política a ceder a preconceitos ou impulsos irracionais ou extraracionais. A fraqueza do processo racional que ele aplica à política e a ausência real de controle lógico sobre os resultados seriam bastantes para explicar esse fato. Ademais, simplesmente porque não está interessado, ele relaxará também seus padrões morais habituais e, ocasionalmente, cederá à influência de impulsos obscuros, que as condições de sua vida privada ajudam a reprimir. Mas, no que tange à sabedoria e racionalidade de suas inferências e conclusões, seria igualmente mal se ele explodisse em manifestações de generosa indignação. Nesta última hipótese, tornar-se-á ainda mais difícil para ele ver as coisas nas suas proporções corretas ou mesmo ver mais de um único aspecto da questão de cada vez. Daí se deduz que, se emergir de sua incerteza habitual e revelar a vontade definida postulada pela doutrina clássica da democracia, ele se tornará ainda mais obtuso e irresponsável do que habitualmente. Em certas circunstâncias, isto poderá ser fatal para a nação*. (* Não se pode pôr em dúvida a importância dessas explosões. Mas cabe duvidar de sua autenticidade. A análise mostrará em muitos casos que elas foram provocadas pela ação de algum grupo e que não ocorreram espontaneamente entre o povo. Nesse caso, passam a fazer parte de uma (segunda) classe de fenômenos, que estudaremos dentro em breve. Pessoalmente, não acreditamos na existência de exemplos autênticos. Mas não estamos tão certos de que a análise mais profunda não revele, no fundo, algum trabalho psicotécnico.)
Em segundo, contudo, quanto mais débil o elemento lógico nos processos da mentalidade coletiva e mais completa a ausência de crítica racional e de influência racionalizadora da experiência e responsabilidade pessoal, maiores serão as oportunidades de um grupo que queira explorá-las. Tais grupos podem consistir de políticos profissionais, expoentes de interesses econômicos, idealistas de uni tipo ou outro, ou de pessoas simplesmente interessadas em montar e dirigir espetáculos políticos. A sociologia desses grupos não tem importância para o nosso argumento. O importante é que, sendo a natureza humana na política aquilo que sabemos, tais grupos podem modelar e, dentro de limites muito largos, até mesmo criar a vontade do povo. Na análise dos processos políticos, por conseguinte, descobrimos não uma vontade genuína, mas artificialmente fabricada. E, amiúde, esse produto é o que realmente corresponde à volontê générale da doutrina clássica. E, na medida que assim é, a vontade do povo é o resultado e não a causa primeira do processo político.
As maneiras em que os fatos e a vontade popular sobre qualquer assunto são manipulados correspondem exatamente aos métodos da publicidade. Descobrimos as mesmas tentativas de entrar em contato com o subconsciente. Encontramos as mesmas técnicas de criar associações favoráveis e desfavoráveis, que são mais eficientes quanto menos racionais. Deparamo-nos com as mesmas evasivas e reticências e com o mesmo truque de criar uma opinião pela afirmação reiterada, que obtém êxito precisamente na medida em que evita o argumento racional e o perigo de despertar as faculdades críticas do povo. E assim por diante. Acontece apenas que essas artes têm campo de ação infinitamente mais vasto na esfera dos negócios públicos do que no campo da vida privada e profissional. O retrato da moça mais linda do mundo será incapaz, a longo prazo, de manter as vendas de uma péssima marca de cigarros. No caso das decisões políticas, não existe garantia igualmente tão eficaz. Muitas decisões de importância decisiva são de tal natureza que se torna impossível ao público experimentá-las na sua maneira habitual e a um custo moderado. Mesmo que isso fosse possível, todavia, o julgamento, de maneira geral, não pode ser alcançado tão facilmente como no caso do cigarro, porque seus efeitos são de interpretação mais difícil.
Mas essas artes viciam também, numa medida inteiramente desconhecida no campo da publicidade comercial, as formas de propaganda política que alegam dirigir-se à razão. Para o observador, o apelo anti-racional, ou pelo menos extra-racional, e o desamparo da vítima surgem mais e mais claros quando disfarçados em fatos e argumentos. Vimos acima porque é tão difícil transmitir ao público uma informação imparcial sobre problemas políticos e nela basear inferências logicamente corretas e por que essa informação e argumentos políticos pegam apenas se se acomodam às idéias preconcebidas do cidadão. De maneira geral, contudo, essas idéias não são suficientemente definidas para determinar certas conclusões. Uma vez que elas podem ser manufaturadas, o argumento político eficiente implica quase inevitavelmente a tentativa de torcer as premissas volitivas existentes em uma forma particular, e não simplesmente na tentativa de executá-las ou ajudar ao indivíduo a formar uma opinião.
As informações e argumentos que realmente impressionam ao cidadão, por conseguinte, provavelmente servem a algum fim político. E uma vez que a primeira coisa que o homem faz por seu ideal ou interesse é mentir, esperamos, e na verdade descobrimos, que a informação eficiente é quase sempre adulterada ou seletiva * e que o raciocínio eficiente em política consiste sobretudo em exaltar certas proposições e transformá-las em axiomas, e eliminar outras. (* A informação seletiva, se correta em si mesma, constitui uma tentativa de mentir dizendo a verdade.) E nisso se reduz a psicotécnica mencionada acima."


SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e Democracia / (Editado por George Allen e Unwin Ltd., traduzido por Ruy. Jungmann). — Rio de Janeiro : Editora Fundo de Cultura, 1961, pp.318-321.

Em síntese, "os cidadãos são facilmente influenciados pela propaganda política, que pode moldar suas opiniões. Embora a longo prazo o povo possa ser mais sábio do que qualquer pessoa considerada individualmente, 'a história, contudo, consiste de uma sucessão de situações efêmeras que podem alterar o curso dos acontecimentos para melhor. Se todo o povo pode, a curto prazo, ser 'levado' passo a passo em direção a alguma coisa que ele realmente não quer, e se isso não é um caso excepcional que pudéssemos desprezar, logo nenhuma somatória de senso comum retrospectivo alterará o fato de que, na realidade, ele não levanta nem decide problemas, porém esses problemas, 'que moldam seu destino, são normalmente levantadas e decididas para ele'. 
(...) "então, o Estado obtém um certo poder próprio é ele que toma decisões quanto aos problemas, à legislação e ao curso do desenvolvimento econômico e social. Ao eleitorado cabe o poder de decidir qual grupo de líderes (políticos) ele deseja para levar a cabo o processo de tomada de decisão."

CARNOY, Martin. Estado e Teoria política. 2ª ed. Campinas : Papirus, 1988, p. 51.

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