O que Alan Turing, Leonardo Fibonacci e o Facebook têm em comum (ou "Saia do Face você também")
Matemática: tudo vai depender da finalidade com que é usada.
Sobre o Facebook, especialmente, e como usa a matemática, segue excelente artigo de Demétrio Magnoli, publicado na Folha de São Paulo de 24/02/2018:
Saia do Face você também
O idioma do Facebook é anticívico, nele não há lugar para a pluralidade
O hino espanhol não tem letra. Há pouco, Marta Sánchez cantou-o com uma letra de sua autoria, que menciona Deus e as cores da bandeira. Na Catalunha, prossegue –mas agora sob uma chuva ácida de críticas– a política de “imersão linguística” escolar: o catalão domina o currículo, deixando meras duas horas semanais para o espanhol. A Folha decidiu abandonar o Facebook. É uma questão de idioma –e de democracia. “Minha pátria é minha língua”, escreveu Fernando Pessoa. O idioma do Facebook é anticívico. Nele, não há lugar para a pluralidade.
A linguagem nunca é inocente. É o trauma da Guerra Civil que veta à Espanha, monárquica, mas democrática, preencher seu hino com uma letra. Um nacionalismo atrai o outro, seu oposto: a bandeira espanhola tremula nas sacadas de grandes e pequenas cidades, acompanhando o ritmo da agitação separatista na Catalunha e atestando o ressurgimento de uma chama que parecia extinta. A “imersão” catalã obedece à constatação de Pessoa. Crianças e jovens devem pensar num só idioma: ler jornais ou livros, navegar na internet, sintonizar em programas de TV exclusivamente em catalão. O Facebook funciona da mesma forma, mas por meio de algoritmos.
A linguagem veicula projetos políticos, ideológicos. A Groenlândia é a única região oficialmente bilíngue do mundo que marginaliza tanto quanto a Catalunha a principal língua nacional. Na ilha norte-atlântica quase não se ensina o dinamarquês. A razão, explicitada na justificativa dos regulamentos escolares: evitar que os habitantes dos povoados cedam ao canto de sereia da migração rumo às cidades. Você deve permanecer fechado na sua identidade, na sua concha de possibilidades, na sua caverna de certezas –eis o cerne da engenharia social linguística da Catalunha, da Groenlândia e do Facebook.
O conceito original do Facebook nasceu de descobertas da neurociência. Nosso cérebro adora “likes”: buscamos avidamente a aprovação, o reconhecimento e, se possível, a admiração dos outros. No início da vida, queremos “likes” dos pais; mais tarde, do círculo formado por nossos pares, que são amigos, colegas de trabalho ou “irmãos de fé” numa igreja ou partido. Contudo, entre uma etapa e outra, aprendemos o valor do “dislike”: a opinião diferente, a dissensão, a divergência proporcionam uma segunda reflexão –que, reiterando ou negando nosso primeiro impulso, sofistica nosso raciocínio. O “like” está arraigado na estrutura do cérebro; o “dislike”, tal como uma infinidade de instâncias intermediárias entre “like” e “dislike”, é fruto da cultura. Os algoritmos do Facebook operam no registro da negação da cultura.
O ideal dos separatistas catalães é que os habitantes da Catalunha sintonizem apenas a TV3, o canal público controlado por eles que oferece, dia e noite, sempre em idioma catalão, o alimento identitário do nacionalismo. O ideal do Facebook é que os usuários da rede social conversem exclusivamente no pátio murado de seus nichos de interesses, comportamentos e ideologias. A nicotina vicia. Escutar a reverberação das próprias ideias, dos próprios preconceitos, produz efeito semelhante. A Folha saiu do Face para resistir na trincheira do jornalismo.
Fonte: FSP, 24 fev. 2018. Disponível em: <http://bit.ly/2ENGHHs> Acesso em: 24 fev. 2018.
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